Agência vai receber as competências administrativas do SEF. Governo garante que inspectores vão trabalhar na mesma zona onde estão agora.
Primeiro, prometeu que estaria instalada até Março, em seguida adiou para esta quinta-feira: ano e meio depois de ter inscrito na lei a Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo (APMA), o Conselho de Ministros aprovou esta quinta-feira o regime desta nova entidade, que irá ficar com as competências administrativas do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e também absorver o Alto-Comissariado para as Migrações. Foi ainda aprovado o regime de transição dos funcionários do SEF para a Polícia Judiciária (PJ) e Instituto dos Registos e Notariado (IRN).
O nome original não continha a palavra minorias, mas foi agora acrescentado por causa das competências do Alto-Comissariado para as Migrações que são acolhidas, passando a denominar-se Agência Portuguesa para as Minorias, Migrações e Asilo. Transitam para a agência 680 profissionais do SEF.
É uma mudança de paradigma para uma “visão mais humanista, mais solidária e mais ágil” para acolher os imigrantes, fez questão de assinalar a ministra Ana Catarina Mendes, que pediu o “maior consenso possível” nesta visão sobre migração. “Definitivamente, separa-se, na política de migrações, as polícias para um lado, que terão a sua função, e o que deve ser a visão da política de acolhimento e integração, na nova agência.”
A integração do Alto-Comissariado para as Migrações fará com que a agência tenha também competências de “protecção humanitária e responsabilidades na política de asilo” decorrente das directrizes europeias.
A extinção do SEF e a canalização das suas competências policiais para a PSP e GNR, de investigação para PJ, e das administrativas para o IRN (como a emissão e renovação de passaportes e de autorizações de residência) serão oficializadas dentro de seis meses, quando a nova agência entrar em funções.
Este calendário de transição tem levantado dúvidas sobre a capacidade das forças de segurança para fiscalizarem e monitorizarem as fronteiras durante a Jornada Mundial da Juventude, que se realiza no início de Agosto. A ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, que tem a tutela das migrações, assegura que, “neste momento, não há razões para temer” que algo possa correr mal. “Estamos a fazer tudo, da parte do Estado, para que corra bem”, vincou, lembrando que a coordenação da segurança está sob a alçada do secretário-geral do Sistema de Segurança Interna.
Inspectores mantêm-se onde trabalham agora
Depois de meses de negociação com os sindicatos do SEF, foi aprovado nesta quinta-feira também o regime de transição dos trabalhadores, que, diz o Governo, acautela as transições de carreiras e reposicionamentos remuneratórios. “Com este processo, teremos fronteiras nacionais mais seguras, que passam a contar com o efectivo da GNR para monitorizar as fronteiras marítimas e terrestres e com a PSP nas fronteiras aéreas. Passa ainda a contar com o contributo da PJ no combate à imigração ilegal e tráfico de seres humanos”, uma vez que esta polícia irá acolher os inspectores do SEF, descreveu o ministro da Administração Interna no briefing do Conselho de Ministros.
José Luís Carneiro assegura que foram tidas em conta as reivindicações dos sindicatos dos inspectores: há a “garantia de transitarem em bloco para a PJ com equivalência de estatuto profissional e de respeito pela localização do desempenho de funções”. Embora isso não fique escrito na lei como queriam os sindicatos, o Governo e a PJ irão assumir esse compromisso de manter os inspectores do SEF no mesmo local onde desempenhavam funções. Se isso não for possível, a PJ assegurará o transporte (preferencialmente com viaturas de função).
Ao contrário da ideia inicial de distribuir os 1083 inspectores do SEF (958 no activo e 125 em situação de disponibilidade) pelas outras forças de segurança, estes irão, afinal, para a PJ, porque é onde as equivalências de carreira e de remuneração são mais idênticas – foi uma conquista dos sindicatos.
Para assegurar a transição de competências e a formação de polícias e guardas, será colocado em prática um “mecanismo de afectação funcional” em que cerca de 500 inspectores (apesar de já estarem na carreira da PJ) se mantêm nas fronteiras durante um ano e, no final desse prazo, esse contingente será reduzido para 50%, e ali permanecerá no máximo por mais 12 meses. Assim, também a chegada à PJ será faseada – perto de 600 serão integrados daqui a seis meses.
Ao mesmo tempo, com a transição dos inspectores do SEF dos postos fronteiriços para a PJ, será necessário alocar para esses postos quase 400 agentes da PSP e uma centena de guardas da GNR, de acordo com os números facultados ao PÚBLICO pelo ministro.
Processo já vem de Julho de 2021
O processo de extinção do SEF tem sido conturbado, tanto pelos sucessivos adiamentos como pelas negociações entre os sindicatos e o Governo para a distribuição dos funcionários pelas diversas entidades. Os trabalhadores não-policiais cumpriram quarta e quinta-feira dois dias de greve, ao passo que os da investigação cancelaram a greve que tinham marcado para esta Páscoa após chegarem acordo com o Governo.
A extinção do SEF e a criação da Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo foram aprovadas em 2021, ainda com Eduardo Cabrita como ministro da Administração Interna.
“A APMA é um serviço da administração indirecta do Estado, com a missão de concretizar as políticas públicas em matéria migratória e de asilo, nomeadamente a de regularização da entrada e permanência de cidadãos estrangeiros em território nacional, emitir pareceres sobre os pedidos de vistos, de asilo e de instalação de refugiados, assim como participar na execução da política de cooperação internacional do Estado português no âmbito das migrações e asilo”, estipulava então o diploma.
Casos Homeniuk nunca mais?
A criação da agência foi a moeda de troca exigida pelo Bloco de Esquerda para ajudar o PS a aprovar a extinção do SEF, que era um assunto que não estava previsto no programa eleitoral socialista de 2019. O documento previa apenas uma “separação orgânica muito clara entre as funções policiais e as funções administrativas de autorização e documentação de imigrantes”. Porém, com a polémica gerada pelo assassinato do cidadão Ihor Homeniuk em Março de 2020, às mãos dos inspectores do SEF no aeroporto de Lisboa, a resposta do Governo foi a extinção deste serviço.
Com a queda do Governo no final de 2021, foi depois necessário aprovar o adiamento da entrada em vigor da lei (para 12 de Maio de 2022), que ficara inicialmente prevista para Janeiro de 2022. E, pouco depois, fez-se novo adiamento, mas sine die, com o Governo a admitir depois não ter qualquer prazo.
Questionado sobre se estas mudanças estratégicas são a garantia de que não se repetirão situações como a da morte do cidadão ucraniano às mãos de funcionários do Estado, o ministro da Administração Interna limitou-se a prometer: “Tudo faremos no que nos cabe de responsabilidade para que situações dessas não se voltem a repetir.” José Luís Carneiro realçou que “a IGAI [Inspecção-Geral da Administração Interna] e as forças de segurança procuram capacitar-se para garantir que o acolhimento de imigrantes se faça de acordo e no respeito pelos valores constitucionais e direitos humanos”.
Para fazer a fusão do Alto-Comissariado na APMMA, será autonomizada do primeiro a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial. E, tal como o PÚBLICO noticiou, o novo Observatório do Racismo e da Xenofobia, cujo protocolo foi assinado em Março, será coordenado por Teresa Pizarro Beleza, investigadora do Centro Antígona da Universidade Nova.
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