Tempo de espera por título de residência deve contar no prazo de pedido de cidadania
Juristas e advogados asseguram que não há necessidade de regulamentação das mudanças promovidas, há seis meses, na Lei da Nacionalidade. Para eles, a legislação é muito clara nesse sentido.
As mudanças promovidas por Portugal na Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81) acabam de completar seis meses em meio a um grande debate. A pergunta que tem inquietado os imigrantes que sonham em ter a nacionalidade portuguesa é se, efetivamente, está valendo a decisão da Assembleia da República de incluir, na contagem do prazo dos cinco anos para se ter o benefício, o tempo de espera pela autorização de residência no país. Alguns especialistas alegam ser necessário a regulamentação da medida, mas, na visão dos juristas Beatriz Sidrim e Daniel Pinto e do advogado Fábio Pimentel, do escritório CPPB Law, não há o que se questionar: a lei deve ser cumprida em sua totalidade.
“Desde a entrada em vigor das mudanças na lei, em abril último, o tempo de espera pelos títulos de residência deve ser levado em conta. Essa alteração decorreu da incapacidade do Estado de responder às demandas dos imigrantes em prazos considerados justos”, diz Sidrim. O prazo entre a autorização temporária de residência e o documento final tem passado de dois anos. Isso acontecia com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), extinto no ano passado, e está se repetindo com a Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA). “Não é justo uma pessoa esperar esse tempo todo para, então, começar a contar os cincos anos que permitem a requisição da nacionalidade por tempo de residência”, complementa.
Absurdo hierárquico
Na avaliação de Pimentel, desde que que a Lei Orgânica n.º 1/2024, de 5 de março, promoveu a décima alteração na Lei da Nacionalidade, os marcos temporais para efeitos de pedidos de cidadania lusitana estão valendo, independentemente de regulamentação. “O Artigo 15 é muito claro no item 4, que diz, textualmente: para efeitos de contagem de prazos de residência legal, na presente lei, considera-se igualmente o tempo corrido desde o momento em que foi requerida a autorização de residência temporária e deferida”. Sendo assim, acrescenta ele, os imigrantes que foram prejudicados pela demora do SEF e da AIMA podem exigir que esse tempo de espera seja incorporado no pedido de nacionalidade.
Para Daniel Pinto, jurista português licenciado pela Universidade de Lisboa, a aplicabilidade imediata das leis é um princípio fundamental do ordenamento jurídico de Portugal, que determina que uma legislação deve ser aplicada desde a sua entrada em vigor, salvo indicação expressa em contrário.
“No caso da Lei Orgânica n.º 1/2024, não há qualquer condicionante prevista ou reserva que exija regulamentação prévia para que as suas disposições sejam aplicáveis. Por isso, a lei deve ser plenamente executada em tudo o que é possível, incluindo a contagem do tempo de residência”, ressalta.
Daniel Pinto complementa: “A publicação de um regulamento não pode servir de impedimento à aplicação direta das normas que são claras e autoaplicáveis. Aliás, é a emissão de um regulamento, enquanto ato administrativo sujeito à reserva de lei, que depende de lei habilitante e não o contrário. Seria um absurdo a aplicabilidade de uma lei vigente depender de um ato hierarquicamente inferior, no caso, um regulamento”.
Integração de imigrantes
Beatriz Sidrim lembra que o projeto que deu origem à Lei Orgânica n.º 1/2024 foi aceito e aprovado no relatório final da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que considerou os argumentos apresentados — de que os imigrantes não poderiam ser penalizados pela ineficiência do Estado — como válidos e coerentes com os princípios de justiça e igualdade.
Relatora do projeto, a deputada Alexandra Leitão, confirmou, à época, que a intenção do legislador era contabilizar o tempo a partir da data de aceitação da manifestação de interesse de permanecer em Portugal. Isso não significaria a aprovação definitiva do pedido, mas, sim, o reconhecimento de que o requerente apresentou toda a documentação exigida por lei, incluindo a inscrição na Segurança Social, a abertura de atividade ou um contrato de trabalho e o número de contribuinte.
Outro ponto que deve ser ressaltado, na visão de Sidrim, é que, adicionalmente às mudanças na Lei da Nacionalidade, o Decreto-Lei n.º 41/2023, que criou a AIMA, trouxe alterações importantes em várias legislações. “Foi o caso do Decreto-Lei n.º 237-A/2006 (regulamento da nacionalidade portuguesa), mais especificamente no Artigo 19, com uma nova definição para o conceito de residência legal, ajustando-o para refletir a legislação atual e os objetivos de facilitar a integração dos imigrantes em Portugal”, explica.
Esta foi a sexta alteração no regulamento da nacionalidade, demonstrando, segundo a jurista, o esforço contínuo do legislador e do Executivo em adaptar a legislação às necessidades práticas e às realidades do sistema migratório e de naturalização, de forma a simplificar os processos e garantir que os direitos dos cidadãos sejam respeitados.
“Portanto, não há impedimento legal para a aplicação imediata das novas disposições, e as autoridades administrativas devem adotar as medidas necessárias para garantir o cumprimento da lei em vigor”, frisa Sidrim.
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